TÓQUIO – A chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Japão traz diversos sinais tanto para o exterior quanto para o interior do país. O momento é crucial, pois o governo precisa do apoio do Congresso Nacional, especialmente do Centrão, para avançar com propostas que podem moldar os próximos dois anos dessa terceira gestão no Palácio do Planalto. Além disso, a visita ocorre em um contexto de mudanças no cenário global, especialmente com o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
Na esfera da geopolítica, Lula planeja uma visita de quatro dias ao Japão, seguida por uma viagem ao Vietnã, cujo objetivo é demonstrar que o Brasil busca diversificar suas relações internacionais, não se restringindo a EUA, China e Rússia. Segundo um membro graduado do governo, que prefere permanecer anônimo, o presidente deseja deixar claro que existem outras opções de parcerias na Ásia além da China.
Esse gesto se torna ainda mais significativo em um período em que Trump sugere uma possível diminuição das tensões entre os Estados Unidos e as potências asiáticas. Caso isso se concretize, é fundamental que o Brasil evidencie sua autonomia na relação com a China, que é a principal parceira comercial do país e aliada nos Brics. Para isso, Lula busca fortalecer laços com outras nações da região, começando pelo Vietnã, que representa um mercado em expansão e que pode se tornar um “parceiro estratégico”.
Com relação ao Japão, além de celebrar 130 anos de relações diplomáticas, a agenda do governo brasileiro visa recuperar a participação do país asiático no comércio bilateral. Atualmente, o Japão ocupa a nona posição entre os investidores estrangeiros no Brasil, e o comércio entre as duas nações alcançou US$ 11 bilhões em 2024, quase metade do recorde registrado anteriormente. O entendimento do governo é que esses números podem ser ampliados no futuro próximo.
Na manhã desta terça-feira, horário local, Lula, acompanhado da primeira-dama Janja da Silva e de outros membros da comitiva, que inclui mais de dez ministros e líderes do Congresso, será recebido no Palácio Imperial pelo imperador Naruhito e pela imperatriz Masako. Uma recepção formal está programada para a noite, com um banquete oferecido pelo imperador.
Embora o Japão habitualmete receba uma visita de Estado anualmente, a pandemia fez com que os convites fossem suspensos. Desde a última visita feita por Donald Trump, Lula se torna o primeiro líder a ser recebido, em um protocolo repleto de honrarias. A agenda inclui também encontros com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishida, que ocupa o cargo desde outubro passado.
Cerca de 100 empresários brasileiros acompanham Lula em Tóquio para participar de um fórum econômico, que reunirá, ao lado deles, representantes do governo e empresas japonesas. Uma das prioridades é avançar nas negociações para que o Japão comece a importar carne bovina brasileira. O Brasil, sendo o maior exportador desse produto no mundo, busca conquistar um mercado japonês que atualmente é dominado por exportações dos EUA e da Austrália, enquanto nenhuma carne bovina brasileira é comercializada no Japão, um mercado que movimenta US$ 4 bilhões por ano.
Dentre os empresários que fazem parte da comitiva, está previsto que Joesley Batista, um dos proprietários da J&F, que controla a JBS, a maior produtora de proteína animal do mundo, esteja presente.
Atualmente, o Japão já importa frango e carne suína do Brasil, sendo que a carne suína é adquirida apenas de produtores certificados de Santa Catarina. A comitiva irá pressionar pela liberação das barreiras que impedem a exportação de carne bovina, embora as expectativas do governo sobre uma mudança imediata sejam limitadas.
A expectativa é que se produza um gesto político por parte dos japoneses para acelerar as negociações que, neste momento, estão emperradas. Uma das exigências para a importação da carne bovina é a certificação de que o Brasil está livre da febre aftosa sem necessidade de vacinação, e para isso, uma missão técnica japonesa precisa antes visitar o Brasil para realizar inspeções.
Em outra vertente, Lula utiliza essa viagem à Ásia para promover interações políticas visando fortalecer laços com o Congresso Nacional. Ao lado de Hugo Motta e Davi Alcolumbre, ele também trouxe a Tóquio os ex-presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, além de outros parlamentares, em sua maioria do Centrão. Durante sua chegada ao aeroporto de Haneda, Lula e os líderes do Congresso posaram juntos para uma foto oficial, exibindo um clima de harmonia.
Durante as mais de 22 horas de viagem até Tóquio, que incluiu uma parada em Houston, o presidente fez questão de dialogar com os congressistas para tentar mudar a percepção de que ele tem se afastado do diálogo com eles. Parlamentares relataram que Lula se mostrou amigável e engajado nas conversas.
Esse trabalho tem como foco estabelecer uma relação que, segundo o governo, pode trazer resultados práticos significativos, muito além do que qualquer resultado diplomático obtido nas reuniões com os japoneses. O relacionamento eficaz entre o Planalto e o Congresso é crucial para a aprovação de propostas que definirão o caminho desta finalização do terceiro mandato de Lula, refletindo diretamente no cenário político das eleições de 2026. Assim, até do outro lado do planeta, há espaço para que o jogo político de Brasília siga em andamento.