Home Brasil TERROR NA VIZINHANÇA: O QUE ESCONDE ENAURA QUIXABEIRA?

TERROR NA VIZINHANÇA: O QUE ESCONDE ENAURA QUIXABEIRA?

por James Joshua

A residência era modesta, possuindo uma porta e uma janela, enquanto a rua era de terra batida, repleta de uma variada gama de casas. Algumas delas eram amplas, com quintais repletos de árvores frutíferas, assemelhando-se a verdadeiros sítios. Outras eram mais estreitas, com apenas porta e janela, e havia ainda a casa do carvoeiro e sua esposa, que contava apenas com uma porta.

Em meio a esse cenário, havia uma grande casa que apresentava ao visitante um belíssimo jardim, onde residiam duas famílias. De um lado, um funcionário de banco com vários filhos; do outro, a cunhada viúva, acompanhada de sua filha.

A água encanada havia chegado até a rua, mas não alcançava as moradias. Em cada porta, havia uma torneira, e os moradores adquiriram potes de cerâmica para armazenar a água consumida, além de construírem tanques nos quintais para o banho, nos quais colocavam pedras de enxofre. Os quintais se interligavam, pois não havia muros, apenas cercas. Sem geladeiras, as compras eram compartilhadas, evitando desperdiçar alimentos. A fraternidade imperava entre os menos favorecidos…

Alguns detalhes interessantes: os casais eram formados por maridos que trabalhadam como funcionários públicos, feirantes e alfaiates. Um deles até atuava como bancário, e contava com clientes influentes, como fazendeiros que criavam gado e forneciam leite às esposas dos moradores, que o vendiam. Eram verdadeiras “cooperativas” que garantiam uma alimentação saudável para as crianças da vizinhança.

E as festas juninas? Havia fogueiras, foguetes e milho assado nas brasas. Todos os vizinhos se reuniam, sentados em cadeiras nas calçadas ou em suas entradas, conversando e trocando ideias.

As crianças corriam felizes com suas “chuvinhas”, um tipo de brinquedo que alegrava a garotada. As mães compravam retalhos de tecido e costuravam vestidos e camisas, decorando também os chapéus de palha que adornavam as cabeças dos pequenos. A simplicidade e a beleza se entrelaçavam, gerando felicidade.

Quando alguém partia para sempre, os vizinhos se vestiam de preto ou cinza, com trajes discretos, e a presença do padre era essencial para a despedida, ou de uma vizinha que recitava o terço. Havia uma forte unidade, onde ninguém passava por suas tristezas sozinho…

O Parque Rodolfo Lins era o local preferido para celebrar festas como São João, São Pedro e Natal. Durante os festejos juninos, as quadrilhas eram formadas por casais jovens vindos de vários bairros. No Natal, a celebração ganhava vida com Chegança, Pastoril e Guerreiros, com a construção de um enorme barco de barro para a luta simbólica das espadas: “Guerreiro, chegou agora, Nossa Senhora é nossa proteção”.

E o Carnaval? Era outro momento de pura alegria e descontração. Um homem chamado Major, conhecido por todos, organizou um bloco com os homens da vizinhança, nomeado 44 Espada d’Água. Após algumas doses de cachaça, eles desfilavam pelas ruas da Levada, acompanhados por uma pequena orquestra de voluntários, e a cada adição de foliões, a alegria aumentava.

Mas um dia, tudo mudou… O dono da maior parte das casas alugadas faleceu, e os herdeiros decidiram aumentar os aluguéis, tornando impossível para os moradores continuarem pagando. Um a um, foram forçados a se mudar para Ponta Grossa e Vergel do Lago, bairros mais distantes e acessíveis financeiramente para comprar uma nova casa e formar uma nova comunidade.

Assim, a mudança foi realizada. Nas novas áreas, construíram casas de tijolos, embora pequenas, mas bem divididas, contendo dois quartos, uma sala de visitas, uma sala de jantar, um banheiro e um sanitário. Contavam ainda com uma lavanderia e um pequeno alpendre, ideal para deixar uma rede, tão apreciada pelos nordestinos, ou gaiolas para ouvir o canto dos pássaros.

O som do apito do trem não se fazia mais ouvir; agora, o ônibus, barulhento e inseguro, era o meio de transporte utilizado, com o risco de atropelar pedestres. O trem, apesar de sua fumaça, tinha seu charme, que faltou no novo cenário.

Dessa forma, uma nova comunidade emergiu. Os moradores colocavam cadeiras nas estreitas calçadas após o café da noite, compartilhando conversas até as nove horas, momento em que as portas se fechavam para o descanso, de olho na necessidade de acordar cedo para o trabalho.

Com o passar do tempo, os filhos cresceram, estudaram e conseguiram empregos; outros jovens entraram em suas vidas e muitos acabaram se mudando para outros bairros. Os antigos moradores envelheceram e alguns faleceram, levando ao fim de uma era.

A vida é assim: imprevisível, cheia de dinamicidade e sujeita a mudanças constantes… O que permanece são as memórias felizes que se tenta preservar, assim como as dolorosas que se deseja relegar ao esquecimento.

Há uma bela canção francesa que expressa esse sentimento: “Non, rien de rien, non je ne regrette rien… Ni le bien qu’on m’a fait, ni le mal, tout ça m’est bien égal…”.

¹“Não, nada de nada, não me arrependo de nada… Nem o bem que me fizeram, nem o mal, tudo isso, tanto faz para mim…”.

Fonte: Noticia Internacional

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