Home Brasil Luiza de Marilac: A Abolicionista Que Revolucionou a MPB!

Luiza de Marilac: A Abolicionista Que Revolucionou a MPB!

por James Joshua

Seu talento está imortalizado em composições como ‘Ó abre alas’, que se tornou um ícone do Carnaval. Há 90 anos, partia uma precursora na luta pelo reconhecimento dos direitos autorais no Brasil e a primeira regente de orquestra. Chiquinha Gonzaga é frequentemente reconhecida como “a maior figura feminina da música popular brasileira” e “uma das fundadoras da MPB”, referências que o renomado Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira lhe confere. O jornalista, músico e pesquisador Ayrton Mugnaini Jr., autor do livro A jovem Chiquinha Gonzaga, confirma: “Ele está absolutamente correto, Chiquinha é uma das artistas mais fundamentais da música brasileira”, especialmente considerando que atuou num período em que o machismo era ainda mais forte no Brasil.

Francisca Edviges Neves Gonzaga, nascida em 1847 no Rio de Janeiro e falecida em 1935, de fato, se destacou como uma mulher cheia de inovações. Aqueles que visitam os blocos de Carnaval certamente escutarão ao menos um grande sucesso de sua autoria: ‘Ó abre alas’, uma marchinha do ano de 1899 que se transformou em um símbolo do Carnaval carioca.

“Sem dúvida, ela é uma referência essencial na narrativa da música popular brasileira. Até mesmo na cultura do país,” menciona o músico Alberto Tsuyoshi Ikeda, professor na Universidade de São Paulo (USP) e consultor da cátedra Kaapora da Diversidade Cultural e Étnica na Sociedade Brasileira da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Gonzaga também teve um papel de destaque como abolicionista — sua mãe era filha de uma mulher escravizada —, atuou na defesa dos direitos autorais e se destacou como uma mulher à frente de seu tempo, sendo a primeira maestra a reger uma orquestra no Brasil.

De maneira consciente ou não, ela também ajudava na luta pelos direitos femininos. “O fato de ser uma mulher atuando profissionalmente em um ambiente predominantemente masculino é uma questão significativa do ponto de vista social e político, especialmente desde a primeira onda do feminismo nos anos 1920,” enfatiza o antropólogo Rafael do Nascimento Cesar, pesquisador na USP e autor do livro Compondo Chiquinha Gonzaga. “Naquela época, Chiquinha Gonzaga chegou a ser chamada de feminista em algumas publicações, mesmo que ela nunca tenha reivindicado esse título.”

“Com seu amor inigualável pela música, ela não se deixou submeter pela sociedade em que estava inserida,” observa a especialista Carla Crevelanti Marcílio, mestra em música e professora na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes). “Considerada uma das personalidades mais inovadoras da música brasileira, tanto em termos artísticos quanto sociais, ela lutou pelos menos favorecidos e se envolveu ativamente na luta abolicionista, utilizando sua música como uma ferramenta. Além disso, “doou recursos, tempo e assistência a todos que estavam na mesma batalha.”

Poucos dias depois de seu falecimento, em 28 de fevereiro de 1935, ocorreu o primeiro desfile oficial de Carnaval do Rio, com o apoio da prefeitura. Alas que ela ajudou a criar, mas que, lamentavelmente, não pôde presenciar.

O avanço foi irresistível, apesar de todos os preconceitos. Aos 16 anos, entrou em um casamento arranjado com o filho de um comendador. Seu cônjuge sentia-se incomodado pelo fato de que ela preferia se dedicar ao piano. Para afastá-la do instrumento, ele a colocou em expedições mercantes durante a guerra do Paraguai, na qual era sócio de um dos navios. Não se sabe exatamente quantas dessas viagens ela fez.

Após um período de separações e recomeços, em 1870, Chiquinha se separou do marido, aos 23 anos e mãe de três filhos. O escândalo foi grande: seu pai a declarou morta e deixou de pronunciar seu nome. Gonzaga chegou a ter um relacionamento com um engenheiro, com quem teve uma filha, mas essa união também terminou em 1876.

Naquela época, o cenário noturno carioca estava à procura de profissionais. Chiquinha viu uma oportunidade nesse ambiente. Foi um momento de fusão de gêneros como a polca e o lundu africano, que originaram o choro, um estilo que consagrou a musicista. “Ela teve um papel fundamental na tipificação de ritmos e gêneros como o choro, o maxixe, a modinha e a marchinha,” comenta Mugnaini Jr.

Gonzaga equilibrava apresentações, composições e aulas particulares de piano. Em fevereiro de 1877, ela compôs Atraente. “Fortemente influenciada pelos chorões, grupos de músicos que animavam a vida noturna, ela desenvolveu uma técnica única, deixando sua marca indelével na história da música brasileira,” afirma a professora de música Marcílio.

“Ela foi uma das pioneiras a compor para gêneros populares, introduzindo esses ritmos nos salões da elite. Dedicou-se tanto à música popular urbana quanto à música de concerto. Orquestrou muitas de suas obras e se apresentou em bailes privados e públicos, ao lado dos chorões, além de no teatro musicado. Essas obras refletem sua genialidade e inovação.”

Durante os anos 1880, a artista se envolveu ainda mais na política. No contexto efervescente daquela década, se aproximou dos abolicionistas e se tornou uma militante ativa. Ela chegou a vender suas partituras para ajudar na libertação de um escravizado e apoiou a princesa Isabel, que assinou a famosa Lei Áurea, tanto com uma música em sua homenagem quanto participando de uma vaquinha para presenteá-la com uma pena de ouro.

A trajetória de Chiquinha foi marcada por desafios: enfrentou muitos preconceitos por ser divorciada, engajada em causas políticas e ligada à boemia artística. Em 1899, ela compôs a marchinha ‘Ó abre alas’, que é considerada a primeira música carnavalesca do Brasil. Residindo perto do cordão Rosa de Ouro, criou a canção inspirada na agremiação. Nessa época, já era um nome consolidado no cenário artístico.

Embora muitos a considerem uma precursora da música popular brasileira, é importante situá-la em um contexto que precede a concepção moderna de MPB, geralmente associada aos artistas da década de 1960.

“Chiquinha começou sua carreira de compositora na década de 1870, muito antes de o termo ‘música popular brasileira’ ser cunhado. O que é fascinante é que, enquanto era reconhecida como compositora de música popular, Chiquinha Gonzaga desafiava essa ideia através da sua apresentação,” esclarece Nascimento Cesar.

Existem dois aspectos relevantes: primeiro, sua formação musical abarcava valsas, polcas, maxixes e também o repertório clássico europeu. Segundo, sua música, criada no Rio, que era a capital do Império, “refletia as características de uma sociedade hierarquizada.” Para o antropólogo, Gonzaga foi uma figura singular que “nos leva a questionar, com base na multiplicidade e dinamismo,” a própria noção de música brasileira.

Ikeda também salienta que “é complicado utilizar esses termos ou a ideia de fundadora” porque “há inúmeros artistas que também são cruciais naquilo que acabou desembocando na MPB.” A sigla é frequentemente associada a uma música mais politizada e com uma abordagem crítica. “Eu prefiro afirmar que Chiquinha Gonzaga foi uma das pioneiras significativas que contribuíram para o que depois evoluiu como MPB.”

Entretanto, o potencial de ativismo da musicista não terminou: ela também se tornou uma líder em um movimento que buscava o reconhecimento dos direitos autorais no Brasil. Essa movimentação culminou, em 1917, na fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), uma entidade pioneira na defesa dos direitos dos compositores e dramaturgos do país. “Ela lutou por isso,” reafirma Mugnaini Jr.

Como a professora Marcílio menciona, Gonzaga foi a única mulher entre os fundadores da SBAT. “Naquela época, sua intenção era garantir que os direitos dos compositores e artistas fossem respeitados. Com suas ideias inovadoras e sua luta, ela conseguiu que a justiça fosse feita e assegurada para os artistas. Sua atuação ajudou a valorizar o trabalho deles e abriu portas, garantindo que fossem reconhecidos e devidamente pagos por suas criações artísticas. Sua música, seu ativismo pelos direitos dos compositores e sua quebra de barreiras fazem dela um ícone indiscutível.”

No contexto do Rio naquela época, essa era uma necessidade urgente, explica o antropólogo Nascimento Cesar. “O plágio e a reprodução não autorizada de partituras eram práticas comuns,” uma vez que a cidade apresentava “uma demanda significativa por música.” Em seu estudo, ele documenta como a luta de Gonzaga por regulamentar os direitos autorais no Brasil “foi fundamental para o seu reconhecimento como artista.”

Marcílio atribui à Chiquinha mais de 2000 composições: “Entre suas criações, estão presentes diversos gêneros, como maxixes, valsas, tangos, polcas, habaneras, lundus, gavotas, mazurcas, canções, serenatas, fados e músicas sacras. A versatilidade de seu trabalho demonstra a ampla gama de sua criatividade e inovação em composição, execução e edição de suas obras.”

Chiquinha Gonzaga faleceu em 28 de fevereiro de 1935, na véspera do Carnaval. “Seu legado é inestimável, e ela influenciou diversas gerações de músicos brasileiros, incluindo muitas mulheres que encontraram inspiração em sua sabedoria e determinação. Sua trajetória é lembrada em novelas, livros e pesquisas sobre sua relevância na história da música nacional,” enfatiza a professora de Unimes. “E que se registre: ela foi a primeira mulher a assumir o papel de regente.”

Fonte: Noticia Internacional

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