A imprensa brasileira muitas vezes se alinha com os lados errados da história.
Isso ocorreu com Getúlio Vargas.
A mesma situação se repetiu durante a Ditadura Militar.
O mesmo pode ser dito em relação a Brizola.
Da mesma forma, aconteceu com Dilma.
O fenômeno se manifestou em relação à Lava Jato.
As exceções à regra são raras e apenas enfatizam essa triste realidade.
Os motivos que levam a mídia brasileira a frequentemente apoiar os vilões são evidentes: interesses econômicos e divergências ideológicas predominam. Contudo, existem razões menos evidentes — peculiaridades, exibições de poder, vaidade, entre outras.
Quem se sentir à vontade pode tentar adivinhar qual é a razão que motiva parte da imprensa brasileira a repetir seus erros em um dos períodos mais críticos da nossa República.
O fato é que várias das publicações e portais mais influentes do país têm se esforçado, recentemente, para desacreditar a denúncia feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra 33 indivíduos acusados de tentarem um golpe de Estado, incluindo o líder Jair Bolsonaro.
É importante frisar que nenhuma autoridade ou processo deve estar livre de críticas. Porém, as que são feitas precisam ter fundamento.
Não é isso que se observa atualmente.
A partir de quarta-feira (19), a Folha de São Paulo tem publicado matérias que parecem favorecer os golpistas. Em um desses textos, o jornal insinuou que o delator Mauro Cid alterou sua versão após uma suposta ameaça de prisão por parte de Alexandre de Moraes. Mas, na verdade, o ministro apenas deu a Cid uma última oportunidade para contar a verdade.
Como resultado, as críticas dos leitores aumentaram drasticamente. Muitos se prontificaram a explicar aos jornalistas da Folha o que realmente ocorreu. “Não houve ameaça, mas sim um alerta do que poderia acontecer, algo que um juiz deve fazer”, apontou um leitor. “O Cid tentou enganar o ministro Alexandre e saiu perdendo”, destacou outro.
No dia seguinte, outra reportagem manteve essa linha, alegando que um vídeo mostrava uma “ameaça de prisão de Moraes a Cid”. Na realidade, o que o ministro fez foi informar ao delator que haviam sido constatadas mentiras em seu depoimento anterior e que tanto a PF quanto a PGR recomendavam sua prisão.
Em uma matéria veiculada na noite de sexta-feira (21), a Folha foi ainda mais longe ao afirmar: “Ameaça de Moraes a Cid abre caminho para contestar delação que implicou Bolsonaro”. No conteúdo, dois juristas do grupo Prerrogativas não corroboraram a tese, que foi defendida somente pelo advogado de defesa de Cid e por dois políticos da ala bolsonarista, Flávio Bolsonaro e Sóstenes Cavalcante.
Os leitores, mais uma vez, expressaram seu descontentamento. “Folha buscando detalhes irrelevantes, como de costume! Moraes apenas falou o que era necessário para o delator de forma clara e documentada!”, escreveu um deles.
No Estadão, um colunista conhecido por sua proximidade com a extrema direita assumiu a audácia de afirmar na edição de sábado (22) que o procurador-geral Gonet apresentou na denúncia provas inexistentes. Em outra coluna, um colega dele no mesmo jornal comentou que a denúncia contra os golpistas “projeta uma imagem negativa do STF em certos segmentos da sociedade”.
Para um desses colunistas, a tentativa de golpe de Estado, com todos os atos visíveis dos bolsonaristas e a invasão das sedes dos três Poderes transmitida ao vivo, simplesmente não ocorreu. Para outro, o Supremo deveria tratar a denúncia com cautela para não ser mal recebido pelos apoiadores de Bolsonaro. É como se um juiz decidisse não condenar Marcola para não ter uma “imagem desfavorável” entre os simpatizantes do PCC.
Além disso, algumas reportagens têm disseminado a estranha ideia de que a denúncia da PGR teria ignorado partes da investigação da PF que favorecem Cid, insinuando uma suposta parcialidade de Gonet. É importante ressaltar que ele realmente participa do processo: como já apontado por leitores, a PGR é responsável por apresentar a acusação. Esse é o procedimento legal normal.
No sábado (22), a Folha deu sinais de uma possível mudança de postura.
Luiz Francisco Carvalho Filho, advogado do jornal, publicou um artigo que já no título considera a denúncia de Gonet como “sólida”. No texto, ele menciona a necessidade de monitorar a prisão preventiva de Bolsonaro, que poderia causar sérios problemas caso tentasse escapar para os Estados Unidos e se unisse a Donald Trump em ações antidemocráticas. O jornal também reconheceu que o documento da PGR se baseia em evidências, com escassas margens para interpretações diversas.
Antes dessa aparente mudança de rumo, no entanto, Bolsonaro e seus aliados usaram as informações da grande mídia para fortalecer sua defesa nas redes sociais. É provável que essas informações também sejam incluídas em sua ação.
No contexto do jornalismo nacional, a preocupação com o devido processo legal tem sido bastante seletiva. É inevitável fazer uma comparação entre o espaço generoso concedido agora ao contraditório, em contraste com o ataque midiático intenso enfrentado por Lula durante os seis anos da operação Lava Jato.
Por outro lado, contestar o rito processual da acusação contra Bolsonaro e os golpistas pode, para alguns, parecer como uma demonstração de isenção.
Mas não é isso.
O princípio fundamental do jornalismo é buscar a verdade (ou as múltiplas verdades) e manter total transparência em suas reportagens. Isso não implica em neutralidade.
No confronto entre aqueles que tentam um golpe de Estado e os que defendem as instituições democráticas, não se deve adotar uma postura neutra.
A verdadeira defesa da democracia implica posição clara.
É fácil identificar qual é essa posição.