Especialistas consultados destacam uma combinação de fatores que contribuíram para a alta nos preços dos alimentos no Brasil, desde a valorização do dólar no final do ano passado até mudanças climáticas que criaram uma “tempestade perfeita”. A inflação dos alimentos e bebidas permanece elevada – conforme os dados mais recentes do IBGE, atingiu 7% nos 12 meses até fevereiro. Os analistas continuam a investigar as causas desse fenômeno, com algumas teorias que vão desde os impactos substanciais das mudanças climáticas até “desencontros fiscais” do governo.
Produtos comuns na alimentação da população têm registrado aumentos de preços significativos: o café, por exemplo, subiu cerca de 66% em um ano, enquanto os ovos de galinha, frequentemente uma alternativa à carne vermelha para as camadas mais pobres, tiveram um aumento de 10,5% no mesmo período. Além disso, os cortes de carne bovina registraram uma inflação anual de 22%.
Famílias de classes mais baixas estão adotando estratégias para preservar o consumo de proteínas, como a compra de carcaças de frango a cerca de R$ 7 o quilo, ou suã de porco, que custa em torno de R$ 10 por quilo. Mesmo os grupos de renda mais alta também estão alterando seus hábitos de consumo em resposta aos preços elevados, optando por marcas diferentes de sucos ou iogurtes.
Entre os fatores apontados pelos especialistas, a valorização do dólar em relação ao real foi crucial para o aumento dos preços dos alimentos. Segundo um economista brasileiro, isso acontece porque os preços internos dos alimentos estão atrelados aos preços internacionais, que são cotados em dólar.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sinalizam que, embora a moeda americana tenha iniciado 2024 valendo em média R$ 4,91, encerrou o ano anterior a R$ 6,10, resultando em um aumento de aproximadamente 24%. Essa valorização ocorreu em resposta à proposta de ajuste fiscal do governo federal, que visava economizar R$ 70 bilhões até 2026.
A reação do mercado econômico à proposta foi intensa, levando o câmbio a alcançar os níveis mais altos desde a instituição do Plano Real, em 1994. Um dos economistas consultados citou a dificuldade do governo em estabilizar a dívida pública como um dos motivos da pressão cambial, lembrando que a dívida bruta, que abrange estados e municípios, era cerca de 75% do PIB brasileiro.
Neste contexto, produtos importados costumam sofrer ainda mais com a oscilação do dólar. Isso também impactou itens essenciais na mesa do brasileiro, como óleo de soja, que registrou aumento de 23%, e azeite de oliva, com alta de 14%, além de algumas cortes de carne.
Recentemente, o governo anunciou medidas para mitigar a elevação dos preços de alimentos, incluindo cortes de impostos sobre certos produtos, como açúcar, milho e carnes. O vice-presidente também ressaltou a esperança nas previsões agrícolas favoráveis para 2025, mencionando uma expectativa de crescimento na safra de quase 10%.
Essas expectativas estão alinhadas com as projeções do IBGE, que indicam um crescimento de 10,6% nas safras de grãos e cereais este ano, com otimismo especial voltado para a soja e o arroz.
Para o economista de uma instituição carioca, a alta do dólar é um fator que complica a situação, colocando o Brasil em uma posição vantajosa para exportações, mas que ao mesmo tempo desabastece o mercado interno. Ele aponta que a junção de eventos como a pandemia de 2020, a crise hídrica no ano seguinte e a guerra na Ucrânia, entre outros, culminou em um cenário de inflação alimentar persistente.
Na visão dele, a soma de fatores no ano passado resultou em uma “tempestade perfeita”, onde a combinação de El Niño, aumento da demanda e a valorização do câmbio prejudicou significativamente os preços dos alimentos. Ele observou que a redução da taxa de desemprego para 6,2% no final do ano passado contribuiu para um aumento na renda média das famílias, ampliando o consumo, especialmente de alimentos.
As mudanças climáticas exercem um papel fundamental na elevação dos preços dos alimentos. Os efeitos do El Niño têm influenciado o clima no Brasil, resultando em secas em algumas regiões e chuvas excessivas em outras. Enquanto o Norte e o Nordeste enfrentam a seca, o Sul experimenta condições de chuvas abundantes, como ocorreu entre abril e maio de 2024 no Rio Grande do Sul.
Com o aquecimento global, fenômenos como El Niño tornaram-se mais frequentes, alterando significativamente a produção de alimentos, conforme analisa um especialista. Isso se reflete em índices de inflação, onde 2,25 pontos percentuais da inflação dos alimentos em domicílio foram atribuídos ao El Niño, e os efeitos foram mais severos no último ano.
Outros produtos, como frutas e legumes, também foram impactados, com altos índices de inflação devido às adversidades climáticas. Por exemplo, a falta de chuvas no período de colheita do café resultou em produções muito limitadas, enquanto o excesso de chuvas teve efeitos negativos em plantações de frutas, como a tangerina.
Estes fenômenos climáticos não só afetam a produção, mas também podem gerar desperdícios e perdas significativas nas safras, influenciando diretamente o abastecimento e os preços no mercado interno.