Em novembro de 2023, o Ministério Público instaurou um processo criminal contra o então primeiro-ministro, e as razões exatas para isso ainda não são completamente claras. A consequência foi a sua demissão, a queda do governo e a perda da maioria absoluta, resultando na volta da direita ao poder cinco meses depois. Um golpe bem orquestrado.
Hoje, em 2025, o país tomou conhecimento de que o atual primeiro-ministro recebeu pagamentos de grupos privados ao longo de seu mandato, mas o Ministério Público ainda não iniciou qualquer investigação. Embora afirmem que estão analisando a situação, as remunerações certamente causarão uma crise política. No entanto, a situação está se complicando. Não se tratam apenas das remunerações, mas também da motivação política que está por trás das investigações criminais: para os governos socialistas, há uma pressão intensa; enquanto que, para os governos do PSD, há uma maior tolerância.
Outro ponto é a situação de Manuel Pinho. É totalmente inaceitável tentar equiparar a situação de Manuel Pinho à do atual primeiro-ministro. São contextos distintos. Os pagamentos que Pinho recebeu do BES estão relacionados a serviços prestados antes de assumir cargos públicos, enquanto os recebimentos do atual primeiro-ministro estão vinculados a serviços realizados durante seu tempo no governo.
Além disso, no caso de Manuel Pinho, os valores recebidos derivam de um contrato de rescisão que encerrou sua relação com o banco; já os pagamentos ao atual primeiro-ministro são provenientes de acordos que continuam a vigorar. Manuel Pinho foi investigado, preso e teve sua condenação considerada injusta, enquanto o atual primeiro-ministro não enfrentou qualquer investigação.
Passando para 2018, o Ministério Público de Portugal fez uma solicitação ao Ministério Público do Brasil, buscando informações sobre a Odebrecht e a construção da barragem de Baixo-Sabor. Em resposta, as autoridades brasileiras levantaram a seguinte suspeita: “Há indicação de que Pedro Passos Coelho se candidatou à reeleição como primeiro-ministro de Portugal em 2015, com uma campanha liderada por André Gustavo Vieira da Silva.”
“Considerando as evidências apresentadas, há indícios de que os valores descritos na planilha ‘Paulistinha’, que remeteriam a pagamentos pendentes na obra da barragem de Baixo-Sabor em Portugal, poderiam ter sido pagos ‘por fora’ a André Gustavo Vieira da Silva como uma forma de compensação pelos serviços de marketing político e publicidade prestados ao Partido Social Democrata durante a campanha para a posição de primeiro-ministro.”
“Assim, é possível que os pagamentos mencionados na planilha ‘Paulistinha’ relacionados à obra da barragem de Baixo-Sabor em Portugal se referissem ao financiamento da campanha do Partido Social Democrata na eleição de 2015, disputada pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.”
Essa suspeita, que é clara e específica, jamais recebeu a devida investigação. Em diversos países foram apuradas várias campanhas políticas financiadas pela Odebrecht — como em El Salvador, Peru, Argentina, Equador, Venezuela, Angola, entre outros. Contudo, em Portugal, tudo isso foi silenciado e esquecido, com o Ministério Público sequer realizando questionamentos.
Estamos agora em 2025, já se passaram dez anos, mas a abordagem continua a mesma: as remunerações não são objeto de investigação. A crise das avenças também reflete uma crise de moralidade nas instituições penais: de um lado, tudo é investigado, e do outro, tudo é encoberto. O critério para essa distinção é a política.