É raro que se perceba a particularidade da extrema direita nos Estados Unidos. Embora mantenha algumas características comuns, ela se distingue significativamente do fascismo e do nazismo europeus do passado. Para começar, o adversário da extrema direita americana não é a esquerda ou o marxismo, como ocorreu com os fascismos italiano e alemão.
O real antagonista da extrema direita americana é o próprio desenvolvimento civilizatório da humanidade ao longo de milênios. A intenção dessa ideologia é, portanto, desmantelar todos os acordos e consensos éticos que foram construídos ao longo da nossa história. Muitas gerações se sacrificaram ao longo dos séculos para que esses avanços fossem possíveis. Entretanto, tudo isso está em perigo pelo que figuras como Trump e Musk, junto a outros com a mesma visão, buscam implementar, de uma forma que talvez não tenha sido vista desde os tempos da catástrofe nazista.
A questão central aqui é entender, antes de qualquer coisa, o que se entende por “civilização” para que possamos avaliar a gravidade do que está em jogo. O pensador que melhor elucidou esse conceito foi Norbert Elias em sua obra clássica “O processo civilizatório”, que abrange dois volumes. Elias detalha minuciosamente como, a partir da Idade Média, começou a surgir um novo tipo de sensibilidade social e de regulamentação do comportamento em sociedade.
Essa nova sensibilidade incluía a capacidade de se colocar no lugar do outro, o que implica ter empatia pelo sofrimento alheio quando este é desnecessário e gratuito. A luta das mulheres por direitos sociais e a defesa dos direitos das classes trabalhadoras são expressões políticas dessa nova sensibilidade. Não há conceito mais significativo, seja para o indivíduo, seja para a coletividade, do que o respeito pela alteridade e a capacidade de sentir a dor do outro como se fosse a sua própria.
As constituições contemporâneas, em sua essência, incluem na cláusulas fundamentais a proteção à vida e à integridade de todos os indivíduos, refletindo um aprendizado que se estende por um longo período, com suas diversidades e contrastes, que fundamenta essa ideia.
É isso, acima de tudo, que está ameaçado com as ações de Trump e Musk e o que eles simbolizam. O tratamento dispensado ao povo ucraniano, tratado como um grupo conquistado e privado de direitos, exemplifica claramente essa situação. A proposta de se construir um resort em Gaza após a devastação da população local é outra evidência do que estamos afirmando.
O projeto da extrema direita americana visa retornar a uma era de violência institucionalizada, criando desordem, fomentando ressentimentos desenfreados e destruindo todos os acordos morais, como a distinção entre verdade e mentira, para dividir a sociedade e obter lucros exorbitantes.
Parafraseando um famoso artista brasileiro, poderíamos dizer que essa visão pretende transformar o mundo em um local de exploração, porque assim é possível lucrar mais.
