Brasília – O teste do pezinho é uma ferramenta crucial para a detecção precoce de várias doenças raras, permitindo intervenções antes que sequelas graves ou até a morte ocorram. No entanto, a cobertura desse exame no Brasil ainda deixa a desejar, com notáveis disparidades regionais, segundo especialistas.
Os dados mais recentes sobre a triagem neonatal, divulgados pelo Ministério da Saúde, indicam que, em 2020, mais de 80% dos recém-nascidos realizaram o teste. Entretanto, apenas 58% tiveram a coleta de sangue feita até o quinto dia de vida, que é o período ideal. Mesmo em 2019, antes do início da pandemia, a taxa não atingiu 60%.
Um estudo da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo mostra que em estados como Piauí e Pernambuco, apenas 24% dos bebês receberam a coleta na primeira semana de vida, enquanto em Brasília essa porcentagem chega a 97%.
Tânia Bachega, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ressalta que a coleta do exame deve ocorrer após 48 horas, mas antes do quinto dia de vida do recém-nascido.
“Devido à metodologia de análise dos testes, não é possível realizar a coleta antes, pois isso resultaria em falsos negativos para os bebês afetados. Porém, a coleta deve ser feita rapidamente, já que o teste do pezinho ajuda a identificar a suspeita de doenças. Caso o resultado seja positivo, o bebê precisa realizar um exame confirmatório logo em seguida e, se o diagnóstico for confirmado, deve ser encaminhado para atendimento especializado, onde receberá o tratamento e a medicação necessárias”, explica a médica.
Ela comenta que, nas maternidades onde o período de internação pós-parto costuma ser de pelo menos dois dias, os hospitais geralmente já fazem a coleta do sangue do pezinho antes da alta. Porém, quando a família deixa a maternidade antes desse prazo, é fundamental que busquem uma unidade de saúde no momento adequado.
Tânia, que é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é especialista em uma das condições que o teste pode identificar: a hiperplasia adrenal congênita. Esta condição pode ser fatal devido à desidratação nos primeiros dias de vida, mas se diagnosticada precocemente, o tratamento é simples e pode assegurar que a criança se desenvolva sem consequências.
“A hiperplasia adrenal congênita ocorre em um em cada 10 mil nascimentos. Trata-se de uma doença que afeta as glândulas adrenais, que ficam sobre os rins e são responsáveis pela produção de cortisol, um hormônio vital. O bebê perde sal e água, levando à desidratação e, frequentemente, a um estado de choque, que pode ser confundido com septicemia. Uma injeção única de cortisona pode salvar a vida do bebê”, afirma a professora da USP.
Outra doença rara que pode ser identificada pelo teste do pezinho é o hipotireoidismo congênito. Tânia destaca que essa é a causa mais comum de deficiência intelectual grave que pode ser totalmente evitada com um diagnóstico e tratamento precoces. Para evitar riscos de sequelas, é essencial que o recém-nascido seja diagnosticado e comece a receber o hormônio da tireoide antes de completar 30 dias.
Contudo, a especialista observa que muitos bebês não são testados no momento adequado. Além disso, frequentemente há atrasos no transporte das amostras para os laboratórios de referência, e mais dias até que os resultados cheguem às unidades de saúde. Em muitos casos, as famílias não são informadas sobre o laudo prontamente.
Por essas razões, Tânia Bachega defende que o governo federal deve intensificar a supervisão para garantir que estados e municípios estejam seguindo as diretrizes do Programa Nacional de Triagem Neonatal, criado em 2001. Ela ainda argumenta que os recursos federais para a compra de kits de teste precisam ser ajustados para evitar problemas de abastecimento.
O Ministério da Saúde foi contatado para discutir a situação atual, mas ainda não forneceu uma resposta.
Atualmente, o teste do pezinho permite a identificação de sete doenças no âmbito do Sistema Único de Saúde: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, deficiência de biotinidase e toxoplasmose congênita. Algumas unidades federativas, entretanto, disponibilizam testes ampliados que podem detectar até 62 doenças, como no caso do Distrito Federal.
Em 2021, uma nova lei foi implementada para expandir o teste do pezinho, permitindo a detecção de até 50 doenças. No entanto, essa ampliação será implementada de forma gradual e, até o momento, apenas a toxoplasmose congênita foi inclusa no conjunto básico de exames.