A Sérvia vive um momento de tensão à proximidade de uma grande manifestação anticorrupção. Centenas de milhares de cidadãos são esperados em Belgrado neste sábado (15/3), como resposta a um chamado de estudantes que vêm se mobilizando desde novembro do ano passado, com a possibilidade de um confronto entre os apoiadores e opositores do presidente do país.
Nos últimos meses, o país tem sido palco de um intenso movimento de protesto que começou após um trágico evento na estação de Novi Sad, em 1º de novembro. O desabamento do telhado de um prédio recém-reformado resultou na morte de 15 pessoas, causando uma onda de indignação entre os sérvios.
“Aquele incidente trágico serviu como um poderoso catalisador, refletindo todas as violações do estado de direito, práticas clientelistas e a corrupção profunda que o governo está promovendo”, afirma uma especialista em sociologia dos Bálcãs. Os estudantes têm liderado essas manifestações, bloqueando universidades e organizando atos cada vez mais massivos.
O presidente sérvio, Aleksandar Vucic, não conseguiu deter essa mobilização, mesmo após ter feito algumas concessões, como a acusação de vários funcionários, a renúncia do primeiro-ministro e a liberação de alguns contratos com a empresa chinesa responsável pelas intervenções. Enquanto busca amenizar a insatisfação popular, ele também tenta deslegitimar os protestos.
“O estilo de governança de Vucic inclui desmoralizar os manifestantes, apresentando-os como baderneiros, sejam eles ambientalistas ou estudantes, como é o caso atual”, comenta a especialista. “O governo de Vucic se apropriou da narrativa russa, rotulando esses movimentos como uma ‘revolução colorida’ e seus participantes como ‘agentes estrangeiros’, buscando desestabilizar a legitimidade das suas demandas”, detalha.
Aleksandar Vucic está no poder desde 2014, tendo exercido inicialmente a função de primeiro-ministro antes de se tornar presidente. Embora já tenha enfrentado várias ondas de protesto, este movimento é sem precedentes em sua escala. Os estudantes têm se esforçado para incluir áreas rurais, que tradicionalmente têm uma maior afinidade com o presidente, organizando marchas de centenas de quilômetros em preparação para as manifestações.
“Dirigir a mobilização para as áreas rurais é uma estratégia para engajar toda a sociedade”, destaca uma pesquisadora associada a uma universidade francesa. “Nas regiões rurais, o apoio a Vucic é historicamente significativo, mas atualmente os estudantes têm sido bem recebidos em cidades menores, onde as pessoas estão oferecendo apoio logístico, como alimentos e medicamentos”, completa.
Diante deste protesto sem igual, Vucic ainda possui algumas vantagens. Aos 55 anos, ele tem experiência política desde a era de Slobodan Milosevic e começou sua trajetória em movimentos ultranacionalistas. Declaradamente admirador de Vladimir Putin, mantém um controle rigoroso sobre o aparato estatal e a mídia, além de contar com o apoio da Igreja Ortodoxa Sérvia.
Entretanto, essa instituição religiosa, que poderia ter um papel político importante, encontra-se dividida em relação aos protestos. “Os alunos de teologia inicialmente se uniram ao movimento, mas logo receberam ordens para se afastar”, aponta a pesquisadora. “Por outro lado, o baixo clero demonstra maior simpatia pelo movimento estudantil, enquanto a alta hierarquia, incluindo o patriarca, tende a apoiar Vucic, criando um verdadeiro conflito interno na Igreja”, observa.
Independentemente do que ocorra, a manifestação programada para sábado é vista como um marco decisivo pelos estudantes, que buscam transformá-la no clímax da sua mobilização. Vucic, por sua vez, convocou os seus apoiadores a se manifestarem em Belgrado, acusando a oposição de incitar a violência. A demanda pela renúncia do presidente e a criação de um governo de transição, como propõe a oposição, por enquanto, parece fora de cogitação.